Valongo, a última estação.

Dino Menezes
3 min readMay 16, 2022

do livro “Contos de Terror e Lendas Macabras da Ilha de Santos.”

O relógio da Estação do Valongo, em Santos, marcava três horas da madrugada. Chovia muito e os raios que caíam na praia chegavam a clarear as ruas no centro. No meio de centenas de pessoas que se dividiam em várias filas, eu procurava as minhas malas, intuitivamente. Mas não as achava. Também não sabia exatamente como havia chegado ali. Parecia que estava passando por um momento de amnésia.

Fiquei ali parado, involuntariamente, respeitando a fila que conduzia ao final da estação e observando as pessoas. Percebi que também pareciam estar em transe e que, assim como eu, ninguém possuía bagagem. Aparentemente, todos nós seguíamos inconscientemente uma situação imposta pelo destino.

Caminhávamos lentamente ao som de uma música que aumentava na proporção em que a fila andava. Era uma melodia triste, que atraiu a minha atenção: notei que, misturado ao barulho da chuva e dos raios, o que se destacava era o som de um trombone.

Quando estava me aproximando do bonde, vi que era o de número quatro, e que havia um senhor negro, magro, alto e esguio orientando os passageiros para dentro do veículo. Era ele, também, que tocava o instrumento.

Pensei que já o havia visto tocando seu instrumento em algum lugar, talvez em alguma roda de samba. Finalmente, entrei no bonde, e minha atenção se voltou novamente para as pessoas. A maior parte delas era de senhoras que, agora, mais animadas, tagarelavam. Todas muito bem vestidas. Como diria um amigo bastante gaiato — “Estavam vestidas pra ver Deus”.

A lembrança dessa frase me causou arrepios. Será que…? Será que elas estão mortas? — indaguei a mim mesmo. Pra onde estamos indo?

O bonde partiu lentamente e, de repente, escutei um espirro. Aquilo foi como um estalo. -Caramba, estou sem máscara! Até aquele momento, não me lembrava que estávamos no meio de uma pandemia. Aliás, ali, ninguém estava de máscara. Porém, como isso já se tornou comum na cidade de Santos, onde nem as autoridades as usam, não considerei tão esquisito.

Mas, eu precisava me proteger. Sentei, então, no canto do bonde e coloquei a cabeça pra fora da janela. Para minha surpresa, o pouco da cidade que eu conseguia ver era bastante diferente. Ela estava cinza, como em uma foto antiga, as ruas estavam vazias, sem pessoa alguma, e havia fumaça saindo do chão. O bonde seguia no meio da tempestade, enquanto eu tentava entender toda aquela situação. Decidi perguntar ao condutor — o senhor do trombone — para onde estávamos indo. Ele virou o rosto e, sem falar nada, me olhou com uma ternura que me confortou.

Nisso, o bonde parou para o embarque de um PM. Percebi que ele tinha um furo de bala no meio da testa! Isso fez com que, antes de fechar a porta, eu pulasse apavorado em meio àquela escuridão e saísse correndo pela rua.

Não conseguia enxergar coisa alguma, a chuva e o nevoeiro tapavam a minha visão. Ao mesmo tempo, eu ouvia o condutor e os passageiros chamando por mim. Eles sabiam o meu nome.

Eu só conseguia correr cada vez mais rápido, até cair depois de tropeçar em um paralelepípedo. Desabei num poço profundo que me trouxe de volta à realidade. Na verdade, acordei. Ainda bastante assustado, liguei o computador e procurei me lembrar de todos os detalhes do que tinha se passado.

Na verdade, eu tinha sonhado a história que faltava no livro, a décima terceira. É a história do fantasma que assombra a todos nós e que torna tudo o que vivemos um grande mistério. O que virá depois da morte? Para onde vamos?

Não descobri para onde o bonde ia, mas agora sei que o Valongo é a última estação. Lembrem-se quando estiverem lá!

Descansem em paz todos os que precisam de luz…

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Dino Menezes

Idealizador do Projeto “Pra quem acredita em fantasmas“. Histórias de Terror baseadas em fatos reais. #cinema #literatura #fotografia #teatro